Por força do texto constitucional, as contratações das obras, serviços e compras públicas devem, como regra geral, ocorrer por meio de processo de licitação em que seja assegurada a igualdade de condições a todos os concorrentes para que, com isso, seja obtida a proposta mais vantajosa à Administração Pública. Contudo, o próprio legislador constitucional ressalvou a possibilidade de não ocorrência da licitação em casos específicos disciplinados na legislação (art.37, XXI, da CF).

Nesse sentido, o legislador infraconstitucional elencou as possibilidades de contratação direta e, dentre elas, incluiu os casos de emergência (art. 24, IV, da Lei 8666/93 e art. 75, VIII, da Lei 14.133/2021); e, ao  interpretar as hipóteses de exceção ao dever de licitar, o Tribunal de Contas da União definiu que sua utilização deveria respeitar alguns requisitos, de forma cumulativa, quais sejam: a) deve o administrador demonstrar a urgência de atendimento da situação; b) limitar o objeto da contratação aos bens necessários para afastar o risco de prejuízo ou de comprometimento da segurança das pessoas e bens; c) no caso de parcelas de obras e serviços, o objeto deve ser concluído no prazo máximo de 180 dias consecutivos e ininterruptos, contados a partir da data de ocorrência do fato tido como emergencial ou calamitoso; e d) vedada à prorrogação dos contratos.[1]

Apesar da lei geral de licitação já admitir a contratação direta para fazer frente aos casos de emergência, em 06 de fevereiro de 2020, foi promulgada a Lei nº 13.979/2020 com o intuito implementar medidas mais céleres para contratação de medicamentos e insumos hospitalares para o combate ao COVID-19, conforme se extrai da justificativa que acompanhou o projeto de lei.

Solicitamos o apoio dos nobres parlamentares ao projeto que regulamenta a emergência de saúde pública decorrente do Coronavírus no Brasil, para permitir uma atuação eficiente e eficaz, mediante a definição de instrumentos que possibilitem o enfrentamento ágil da situação de emergência sanitária internacional existente, objetivando a proteção da coletividade, com maior segurança jurídica. 

 

A promulgação da Lei 13.979/2020 não afastou as hipóteses de dispensa de licitação contidas na Lei 8.666/93, mas apenas criou rito mais dinâmico e, para não dizer, menos burocrático para fazer frente às contratações/aquisições necessárias para o combate contra a COVID-19.

Ocorre que, nos termos do seu art. 8º, a Lei 13.979/2020 tinha o prazo de vigência condicionado ao Decreto Legislativo nº 06, de 20 de março de 2020 – que reconheceu o estado de calamidade no país, para fins exclusivamente fiscais – , ou seja, até 31 de dezembro de 2020[2]. Logo, desde janeiro/2021, os entes da Administração Pública, para aquisição de medicamentos e insumos para combate à COVID-19, precisavam se socorrer da dispensa de licitação disciplinada no artigo 24, V, da Lei 8666/93.

Contudo, em 03 de maio de 2021, foi publicada a Medida Provisória nº 1.047 que nada mais fez do que reescrever a possibilidade de dispensa de licitação contemplada pela Lei 13.979/2020, bem como a adoção dos prazos reduzidos para pregão eletrônico ou presencial; e, assim como previsto na Lei 14.124 de 10 de março de 2021 que trata da hipótese de aquisição de vacinas e insumos destinados ao combate contra a      COVID-19, a possibilidade de pagamento antecipado.

Importa destacar que a MP não foi uma cópia fiel da Lei 13.979/2020. Isso porque, ela trouxe novidades como, por exemplo, (i) necessidade de vantajosidade para fins de renovação do contrato[3]; e (ii) previsão expressa de aplicação supletiva da Lei 8.666/93 quanto às cláusulas dos contratos.

Diante do exposto, pode-se notar que houve e há preocupação em criar regras mais dinâmicas e flexíveis para agilizar as contratações/aquisições para combate à COVID-19, mas, evidentemente, isso não significa que o Gestor Público tenha uma “carta-branca” para atuar de forma indiscriminada, pelo contrário.

Nesse sentido, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo[4], ao ser questionado sobre a alta de preços de alguns insumos/equipamentos durante a pandemia, ele respondeu que  “caso a documentação que instrui o processo não contemple as exigências do artigo 26, da Lei 8666/93 ou dos artigos 4º a 4º-I, da Lei Federal 13.979/2020, conforme o caso, é possível instaurar procedimento administrativo para apuração de responsabilidade quando da constatação de preços contratados muito superiores aos de mercado. A própria constatação deve ser basear em critérios objetivos e levar em conta que, em razão da pandemia, os preços de mercados dos materiais, serviços e insumos podem estar significativamente superiores àqueles praticados em situação normal”

Para evitar problemas no futuro, há necessidade de que os atos estejam devidamente amparados em situações fático-jurídicas que os justifiquem.

[1] TCU, Acordão nº 3.065/2012, Plenário, Rel. Min. Raimundo Carreiro, DOU de 22.11.2012. – Zênite Fácil. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Categoria Anotações, Lei nº 8.666/93, nota ao art. 24, IV, Acesso em: 24 mar. 2020

[2] O STF, em 08 de março de 2021, por meio de Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.625, determinou que: “TUTELA DE URGÊNCIA EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONCESSÃO MONOCRÁTICA. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO PARA CONFERIR SOBREVIDA A MEDIDAS TERAPÊUTICAS E PROFILÁTICAS EXCEPCIONAIS PARA O ENFRENTAMENTO DA COVID-19. PROVIDÊNCIAS PREVISTAS NA LEI 13.979/2020 CUJA VIGÊNCIA FINDOU EM 31 DE DEZEMBRO DE 2020. RECRUDESCIMENTO DA PANDEMIA COM O DESENVOLVIMENTO DE NOVAS CEPAS VIRAIS. EMERGÊNCIA DE SAÚDE PÚBLICA QUE SE MANTÉM INALTERADA. INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO E PRECAUÇÃO. CAUTELAR REFERENDADA PELO PLENÁRIO. I – A Lei 13.979/2020, com o propósito de enfrentar de maneira racional e tecnicamente adequada o surto pandêmico, permitiu que as autoridades adotassem, no âmbito das respectivas competências, determinadas medidas profiláticas e terapêuticas. II – Embora a vigência da Lei 13.979/2020, de forma tecnicamente imperfeita, esteja vinculada àquela do Decreto Legislativo 6/2020, que decretou a calamidade pública para fins exclusivamente fiscais, vencendo em 31 de dezembro de 2020, não se pode excluir, neste juízo precário e efêmero, a conjectura segundo a qual a verdadeira intenção dos legisladores tenha sido a de manter as medidas profiláticas e terapêuticas extraordinárias, preconizadas naquele diploma normativo, pelo tempo necessário à superação da fase mais crítica da pandemia, mesmo porque à época de sua edição não lhes era dado antever a surpreendente persistência e letalidade da doença. III – A prudência – amparada nos princípios da prevenção e da precaução, que devem reger as decisões em matéria de saúde pública – aconselha que as medidas excepcionais abrigadas na Lei 13.979/2020 continuem, por enquanto, a integrar o arsenal das autoridades sanitárias para combater a pandemia.IV – Medida cautelar referendada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal para conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 8° da Lei 13.979/2020, com a redação dada pela Lei 14.035/2020, a fim de excluir de seu âmbito de aplicação as medidas extraordinárias previstas nos arts. 3°, 3°-A, 3°-B, 3°-C, 3°-D, 3°-E, 3°-F, 3°-G, 3°-H e 3°-J, inclusive dos respectivos parágrafos, incisos e alíneas”.

 

[3] Art.14, MP 1047/2021. Os contratos regidos por esta Medida Provisória terão prazo de duração de seis meses e poderão ser prorrogados por períodos sucessivos, desde que vantajosos, e enquanto perdurar a necessidade de enfrentamento da pandemia do Covid19.

[4] Manual de orientação para enfrentamento da crise, 2020.

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