Nos termos do 54, da Lei 8.666/93, aos contratos administrativos aplica-se, de forma supletiva, a teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado, o que torna possível, ainda que de forma mais restritiva, a aplicação dos artigos 476 e 477, do Código Civil, conforme já se manifestou o Tribunal de Contas da União: “ (…) sua aplicação é mais restrita, podendo incidir, de forma unilateral e sem a tutela judicial, apenas nas hipóteses expressamente previstas nos incisos XIV a XVII do art. 78 da Lei 8.666/1993. (…) Sendo assim, apenas em situações excepcionalíssimas, nas quais a conduta da Administração torne impossível ou excessivamente gravosa a execução contratual, o particular terá a faculdade de suspender ou mesmo propor a rescisão contratual, pois não seria razoável lhe impor, em última análise, o empobrecimento, tornando-se necessário, nessa situação excepcionalíssima, que tal ônus fosse repartido por toda a sociedade[1].

Assim, a teoria consubstanciada nos artigos 476 e 477, do Código Civil da exceção do contrato não cumprido pode ser plenamente aplicada aos contratos administrativos em casos específicos como, por exemplo, na hipótese descrita no artigo 78, XV, da Lei 8.666/93 que prevê que constituem motivo para suspensão e, até mesmo, para rescisão do contrato “o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação”.

Ao analisar o dispositivo legal acima transcrito, Marçal Justen Filho explica que mencionada previsão decorre da aplicação do princípio da legalidade, visto que não é admitido a Administração Pública “deixar de saldar os encargos derivados de contrato administrativo”[2]. Entendimento em sentido contrário, ou seja, de que o contratado deveria executar as obras públicas mesmo diante do inadimplemento do Poder Público é, conforme dizeres de aplaudido doutrinador, atentar contra o Estado Democrático de Direito ante a negativa ao princípio da legalidade e a adoção de medidas arbitrárias pela Administração Pública.

Ocorre que, para fins de exercício desse direito, havia discussão se era necessário provimento jurisprudencial.

Para sanar essa controversa, foi editado o Enunciado nº 06 que, em harmonia com o entendimento do STJ consubstancia no RESP nº 910802/RJ de relatoria da Min. Eliana Calmon, de forma expressa, dispensou o provimento jurisprudencial para o exercício desse direito.

Nesse sentido, temos a redação do Enunciado nº 06, da I Jornada de Direito Administrativo: “O atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração Pública autoriza o contratado a suspender o cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação, mesmo sem provimento jurisdicional”.


[1]TC 011.182/2015-6 – Acórdão proferido pelo Plenário do Tribunal de Contas da União

[2]JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 16º edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, Página 1110

Deixe seu Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

You may use these HTML tags and attributes: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>

Close